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quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Fonte: Revista Época

19/11/2012 08h00

Marta, Marcelo, André, Marcos e Paulo: cinco vítimas da violência que já matou ao menos 94 PMs no Estado neste ano

ALBERTO BOMBIG, ANGELA PINHO, LEOPOLDO MATEUS E VINÍCIUS GORCZESKI


MINIATURAS
Bíblia e condecoração usadas no funeral do policial Paulo
Fernando Ribeiro Borges. Ele gostava de comprar carrinhos
de polícia para o filho caçula
(Foto: Marcelo Min/Fotogarrafa/ÉPOCA)

Desde o início do ano, pelo menos 94 policiais militares morreram em São Paulo, grande parte deles alvo de tiros pelas costas, disparados por motoqueiros encapuzados. O assassinato sistemático dos soldados que os paulistas pagam, com seus impostos, para garantir sua segurança, configura mais que uma crise. É um ataque ao contribuinte e às instituições do Estado. Nem em 2006, quando uma organização criminosa paralisou a capital paulista por um dia, o número de policiais mortos atingiu essa cifra – foram 61 assassinados até outubro daquele ano. Até os tristes episódios deste ano, São Paulo era considerado um caso de sucesso na área de segurança pública. Entre 1999 e 2011, a taxa de homicídios no Estado caiu de 35 por 1.000 habitantes para 10. Isso fez do Estado um dos mais seguros do país.

O plano para baixar a taxa de crimes violentos em São Paulo começou a ser elaborado durante a gestão Mário Covas (governador do Estado entre 1994 e março de 2001, quando morreu de câncer). Com alguns percalços, teve continuidade nas gestões seguintes, deGeraldo Alckmin (2001-2006) e José Serra (2007-2010). Seu principal pilar era o alentado setor de inteligência da Polícia Civil, que formou uma tropa de elite no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). A partir de 2011, no segundo mandato de Alckmin, esse aparato foi gradativamente desativado, sob o pretexto extraoficial de desmontar esquemas de corrupção. No ano passado, o delegado Marco Antonio Desgualdo foi exonerado do cargo de chefe do DHPP. Hoje exerce funções secundárias. Domingos Paulo Neto, que chefiou a Polícia Civil entre março de 2009 e janeiro de 2011, perdeu o cargo e foi transferido para a área de transportes da corporação. O delegado Armando de Oliveira Costa Filho, responsável pela investigação da morte do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel e pelo caso Suzane Von Richthofen – bastante elogiado na condução das duas questões –, também perdeu o cargo, e hoje não tem função relevante. O delegado Ruy Fontes, conhecido como o xerife do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), foi parar no 92º Distrito Policial, na Zona Sul, uma das áreas mais violentas da cidade.
O aparato da época de Mário Covas foi desmontado no segundo governo de Alckmin

O comando do combate ao crime em São Paulo passou, a partir do segundo governo de Alckmin, para a Polícia Militar (PM). Reconhecidamente, a PM não tem um setor de inteligência tão eficaz quanto a Polícia Civil. A PM também é acusada de promover ações violentas arbitrárias e de, com isso, contribuir para o clima de insegurança. Com a matança de policiais, a violência se multiplicou – gangues aproveitaram para ajustar contas com outras gangues, e surgiram acusações de execuções cometidas por policiais. No domingo passado, dia 11, o programa Fantástico, da TV Globo, exibiu cenas de policiais encurralando um homem acusado de ser criminoso. Mais tarde, ele apareceu morto. O governador Alckmin mandou afastar todos os PMs envolvidos no caso.

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Por mais que haja acusações de violência contra a PM – e por mais que muitas delas tenham fundamento –, a população que paga os policiais com seus impostos (da mesma forma como paga médicos e professores do setor público) torce para que eles recuperem o controle da situação. As histórias dos policiais assassinados, em geral à paisana ou em ocasiões sociais, são chocantes. Elas dão um testemunho eloquente de que algo precisa ser feito com urgência.

(Foto: reprodução)

Marta Umbelina da Silva
Marta Umbelina da Silva decidiu virar policial militar depois de se separar do marido, um guarda de trânsito com quem teve três filhos – hoje com 21, 18 e 11 anos. Quando a família temia por sua segurança, ela costumava dizer: “Para, gente, sei o que estou fazendo”. O pai, que já morreu, gostava de ouvir isso. “Ele dizia para a gente: ‘O orgulho da casa é a Marta. Ela é polícia’”, diz uma irmã que não quis se identificar – traumatizada, a família teme represálias. Marta era a mais velha de seis irmãos, três homens e três mulheres. Foram criados pela mãe dona de casa e pelo pai encanador na Vila Brasilândia, bairro da Zona Norte de São Paulo.
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Em sua família, era Marta quem costumava marcar os encontros que reuniam avó, filhos e netos. Gostava de cantar – Jorge Ben Jor era um de seus preferidos – e de cozinhar. Suas especialidades eram macarronada com queijo e carne moída, suspiro com morango e pavê de abacaxi. No sábado, dia 3, no começo da noite, combinou com a irmã um almoço no dia seguinte. Que nunca aconteceria. “No domingo, a gente enterrou ela”, diz a irmã.

Marta foi morta com mais de dez tiros nas costas na rua onde morava. Segundo uma familiar próxima, a policial pintava uma parede dentro de casa quando ouviu a filha mais nova chegar. A menina não conseguiu abrir o portão. Marta saiu para ajudá-la. Quando se virou para fechar o portão novamente, os tiros a atingiram, diante da filha – segundo testemunhas, disparados por dois homens de dentro de um veículo. Marta morreu a caminho do hospital. O corpo ainda tinha marcas da tinta de parede. Marta foi a primeira policial mulher morta na atual onda de violência em São Paulo. “Foi um crime covarde, com tiros pelas costas. Estamos todos chocados e em luto”, diz o comandante-geral da Polícia Militar, Roberval Ferreira França. “O enterro da Marta reuniu mais de 100 policiais, porque, além de excelente profissional, ela era muito cortês e amiga. Era querida pela comunidade da Brasilândia”, afirma o deputado estadual Major Olímpio (PDT), que trabalhou com ela na polícia.

Marta deixou três filhos, a mãe, irmãos e sobrinhos. Um dos sobrinhos, seguindo o exemplo da tia, pensava em ser policial. Desistiu.

(Foto: álbum de família)

Marcelo Fukuhara
O sargento Marcelo Fukuhara tinha 45 anos, 21 deles dedicados à polícia.“Eu sempre dizia: eu era a amante do Fukuhara. A esposa era a polícia”, afirma Rosana, mulher de Fukuhara. Segundo as investigações da Polícia Civil, uma facção criminosa pagou R$ 500 mil por seu assassinato. “O que me deixou mais chocada foi achar no armário um bilhete dizendo que matariam o Fukuhara na porta da casa dele. Foi exatamente o que fizeram”, diz a mulher. Fukuhara foi fuzilado. Morreu minutos depois do ataque, no dia 7 de outubro.

Fukuhara recebia R$ 2.800, como primeiro-sargento, e tinha um bom padrão de vida. Morava em Santos, num apartamento de frente para a praia. Rosana, sua mulher, é uma empresária bem-sucedida. Trabalha organizando festas e eventos. “Conheci o Marcelo por meio de um amigo que nos apresentou, para que ele fizesse segurança das minhas empresas”, diz ela. Assim como Rosana, Fukuhara era divorciado. A empatia com a família de Rosana foi quase instantânea. “Ele foi entrando, conquistando meus filhos, e a gente acabou casando.” Após 11 anos, Fukuhara já era visto como pai pelos filhos de Rosana. “Você é quem vai entrar comigo na igreja. Você é que é meu pai.” Dias antes de morrer, Fukuhara emocionou-se ao ouvir esse pedido da enteada, que acabara de ser pedida em casamento.

Apesar de saber que Fukuhara recebia ameaças, Rosana nunca soube o grau de perigo delas. “Se eu soubesse até onde podia chegar o abuso dessas pessoas, teria feito alguma coisa. Teria montado uma escolta para ele, teria feito uma viagem. Não preciso andar de carro importado. Só queria meu marido vivo.” Rosana foi impedida pelos policiais e pelos familiares de ver Fukuhara morto, já que ele fora desfigurado pelo fuzilamento. No último momento, ela tentou, mas não teve coragem. “No velório, tirei os dois pinos do caixão e não consegui tirar o terceiro. Tinha medo do que podia ver.” Desde que Fukuhara morreu, Rosana pede a todos os amigos do marido que larguem a profissão. Diz com os olhos cheios de lágrimas: “Ele adorava aquela porcaria daquela farda”.


(Foto: álbum de família)

André Peres de Carvalho
Fã de artes marciais, André Peres de Carvalho preencheu com pôsteres de Bruce Lee as paredes do quarto onde passou a infância e a adolescência. Criança, costumava vestir as meias por cima da calça, como julgava ser o traje adequado a um tira. Os Peres de Carvalho não sabiam de onde vinha o gosto pela carreira policial. A especialidade da família é a barbearia, ofício seguido por seis parentes. André nunca pensou em seguir o mesmo caminho. Aos 18 anos, tentou entrar no Exército. Não conseguiu ser selecionado. Passou no concurso da Polícia Militar. Mudou-se para São Paulo e foi morar no bairro do Butantã, na mesma avenida onde morreria baleado 21 anos depois.

Foi como policial que construiu sua família. Casou-se, teve um filho, que hoje tem 12 anos, depois se separou. Visitava os pais com frequência e era o churrasqueiro da família. Os mais próximos lembram que, mesmo nesses eventos, não desgrudava do rádio, por meio do qual conversava o tempo todo com os amigos da polícia.

André passou dez anos como PM na Zona Oeste de São Paulo. Em 2002, foi transferido para a Rota, força de elite da PM paulista. Em seus primeiros anos na tropa, o soldado André atuou na função de motorista. Um cargo que não é secundário: exige habilidade, rapidez e precisão. Mas afasta o policial do combate direto, porque ele tem de ficar no carro pronto para partir. “O motorista é 50% de uma ocorrência da Rota, porque tem de ser ligeiro, esperto e atento. Mas não se envolve diretamente com a ação”, diz o coronel Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, vereador eleito de São Paulo e comandante da Rota entre 2009 e 2011. Telhada não tinha relação pessoal com André. Lembra que ele tinha prestígio entre os colegas por causa de sua função. “Ele era motorista do subcomandante. Pessoas que assumem um cargo assim são consideradas de extrema confiança”, diz. André recebera a mais alta medalha da Rota por mérito pessoal, feita de metal esmaltado sobre um couro branco.

Há quatro anos, André teve de deixar a função. Bateu o carro de frente com um ônibus, ficou três dias em coma e saiu com o movimento de um braço prejudicado. Não podia mais ser motorista. Passou a fazer serviços internos na parte administrativa do quartel.

Na noite de 26 de setembro, André ligou para a mãe. Estava numa padaria, e ela, assustada com a onda de violência, pediu que ele não ficasse na rua. Segundo uma pessoa muito próxima, ele respondeu: “Pode ficar tranquila, mãe, estou do lado de casa”. No dia seguinte, foi encontrado caído perto do carro, com três tiros de fuzil. Estava na frente de casa, na Avenida Corifeu de Azevedo Marques, a menos de 1 quilômetro da Universidade de São Paulo. Aos 40 anos, foi o único policial da Rota assassinado na atual onda de crimes.


(Foto: álbum de família)

Marcos Roberto de Mendonça
“O conheci em 1988, numa partida de futebol em que ele era um dos jogadores. Foi meu primeiro namorado. Casamos em 1992, e nossa vida era maravilhosa. Éramos muito apaixonados, e ele sempre muito preocupado comigo”, diz a mulher de Marcos Roberto Corrêa de Mendonça. Ou simplesmente Mendonça, como era chamado pelos colegas policiais. Ele foi assassinado com um tiro nas costas, na noite de 7 de maio, em Sumaré, cidade do interior de São Paulo. Atuava no 48º Batalhão, responsável por uma área de Sumaré na divisa com Campinas. Não estava a serviço no momento do crime.

Quando Mendonça conheceu a mulher, ainda não era PM. Ele se formou na polícia em 1994, uma semana antes do nascimento da primeira filha do casal. O segundo nasceu em 2007. “Ele adorava ser policial, principalmente nos primeiros anos, em que trabalhou no grupo de Ações Táticas de Campinas (Atac). Tinha orgulho da profissão”, afirma sua mulher. Depois de trabalhar em Campinas e fazer um curso em São Paulo, ele pediu transferência para Sumaré, para não ficar longe dos pais e dos irmãos, que moravam em Tupã, cidade onde Mendonça nasceu. Ele era muito ligado à família. “Adorava jogar futebol com o filho caçula e conversar com a filha mais velha”, diz a viúva.

No dia em que Mendonça foi assassinado, o irmão dela não teve coragem de dar a notícia. Disse que Mendonça sofrera um acidente. “Quando cheguei ao hospital, um tenente amigo dele me chamou para conversar, ao lado de minha filha e do meu filho”, diz a mulher de Mendonça. Ele ficou sem palavras. A filha tomou a iniciativa. “Meu pai morreu?”, disse. Ele balançou a cabeça dizendo que sim. “Meu mundo desabou, nunca podia imaginar perder meu grande amor desse jeito, com tanta covardia. Não conseguia pensar em nada, só em como viveria com meus filhos sem ele, que era tudo para a gente”, diz a viúva. “Meus filhos devem lembrar do pai como um herói, um homem bom e do bem, que só vivia para proteger a comunidade e a família, e que ficava com o coração partido quando encontrava uma criança usando drogas ou vivendo com pais drogados.”


Paulo Fernando Ribeiro Borges
No dia 23 de dezembro do ano passado, uma sexta-feira véspera de Natal, a mulher do sargento Paulo Fernando Ribeiro Borges recebeu 16 ligações interurbanas vindas do interior paulista. As ligações não eram atendidas, e quando ela tentava respondê-las uma mensagem dizia que o número não existia. Quando o marido chegou em casa, ele comentou que também recebera cinco chamadas. Ao comparar os números no identificador, viram que se tratava do mesmo telefone. Estranharam, mas deixaram passar a coincidência.

A mulher de Paulo cursava pedagogia e faria uma entrevista de emprego no dia 3 de janeiro para trabalhar com crianças na Cruz Azul, instituição beneficente vinculada à PM. Depois do teste, ela planejava ir com o marido e o filho mais novo, de 17 anos, para a colônia de férias da polícia em Mongaguá, no litoral de São Paulo. O casal gostava de caminhar à luz da lua na beira da praia.

No dia 2 de janeiro, Borges deu dicas para a mulher ir bem na entrevista de emprego do dia seguinte. No mesmo dia, abasteceram-se de suprimentos para a viagem e seguiram para uma pastelaria para almoçar. A mulher de Paulo se lembra bem de um carro que parou com dois homens e uma mulher, e da insistência com que o grupo olhava o casal. “Você conhece?”, disse ela. “Não, deixa para lá”, respondeu Paulo.

Perto das 22 horas, Paulo verificou se a mulher estava com algum dinheiro e seguiu para o posto de gasolina onde fazia bico como segurança em Osasco, município da Grande São Paulo. Menos de três horas depois, policiais informaram à família que ele fora baleado. A mulher de Paulo e o filho mais velho correram para o hospital. Borges, já morto, estava ensanguentado e quente. Ela chegou a vê-lo abrir os olhos. “Seu pai está vivo, é mentira que ele foi embora”, dizia. Inconsolável, percebeu o engano logo depois. “Queria trazê-lo de volta.”

No boletim de ocorrência, a polícia registrou a morte como latrocínio (roubo seguido de morte), porque um dos assaltantes, menor de idade, levou R$ 700 do caixa do posto. Paulo chegou a disparar – um jovem morreu no local –, mas foi morto por outro, que teve o cuidado de recolher o revólver do comparsa. Desde o crime, a mulher de Paulo faz terapia e toma dois antidepressivos e um ansiolítico todos os dias. Mudou-se de apartamento e chegou a ficar dias sem comer. Apesar disso, ela tem uma certeza sobre o marido que gostava de comprar carrinhos de polícia em miniatura para o caçula: “Ele morreu fazendo o que gostava, sentia orgulho de vestir uma farda. Sei que ele foi feliz”.

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